Evidências Científicas

Estudos recentes publicados pela Sociedade Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão (sigla em inglês IASLC) demonstram a relevância da completude da ressecção para uma maior chance de cura em pacientes que são operados para câncer de pulmão. Ou seja, confirmam a premissa, um tanto óbvia, de que a remoção completa do tumor aumenta a chance de deixar o paciente livre da doença. Não tão obvio, porém, é o fato de que para a ressecção ser considerada completa, deve ser deixada uma margem de segurança (espaço entre o tumor e a área de corte) e retirados os linfonodos da região do tumor. Linfonodos são gânglios linfáticos que funcionam como um filtro, eles retêm células tumorais que eventualmente se desprendam do tumor original para se espalhar pelo corpo. Uma margem muito pequena e a não remoção adequada dos linfonodos aumenta a chance de recorrência de câncer reduzindo, portanto, a chance de cura. 

Não é fácil mensurar a qualidade da cirurgia para câncer de pulmão, principalmente no que se refere à extensão da remoção dos linfonodos. Sem dúvida, a comparação direta e randomizada de sobrevivência em 5 anos após a diferentes técnicas de cirurgia seria a forma mais objetiva de avaliar esta qualidade, infelizmente isto é algo muito difícil de executar na prática e não há estudos publicados com este desenho (para uma explicação sobre desenhos de estudo, leia o inicio deste outro texto). Logo, a forma mais utilizada para estimar a qualidade da ressecção linfonodal é a quantificação do upstaging. Esta palavra em inglês, nos remete à capacidade da cirurgia em mudar o estádio do câncer de pulmão. Ou seja, a porcentagem de casos com doença em linfonodos identificada após a cirurgia. Considerando que os pacientes tenham feito uma avaliação pré-operatória adequada, a identificação de novos casos com linfonodos comprometidos por tumor (upstaging) refletiria a extensão e completude da remoção destes linfonodos. 

A cirurgia minimamente invasiva, seja por videotoracoscopia ou cirurgia robótica, vem demonstrando vantagens em termos de ocorrência de complicações pós-operatórias. Mas quanto à qualidade oncológica dos procedimentos, a evidencia é menos substancial. Alguns estudos por escores de propensão (checar este texto se quiser uma definição do que são escores de propensão) demonstraram que a sobrevivência após ressecção por videotoracoscopia ou por cirurgia aberta foi semelhante. Contudo, três outros estudos questionaram a completude dos procedimentos por vídeo. No primeiro, publicado em 2010 (Denlinger e cols.), uma série norte-americana, os autores encontraram um menor numero de linfonodos dissecados em pacientes submetidos a videocirurgia. Em outro, uma análise do banco de dados dinamarquês (Licht e cols.), os autores identificaram menor upstaging em pacientes submetidos a cirurgia por vídeo. Por fim, numa análise do banco de dados da Sociedade de Cirurgiões Torácicos (STS ? importante sociedade norte-americana) publicada em 2012 (Boffa e cols.), os autores demonstraram que o upstaging era menor para os linfonodos do hilo pulmonar nos pacientes submetidos a videotoracoscopia. Os achados deste ultimo estudo foram reproduzidos num trabalho publicado em 2016 (Medbery e cols.) no qual os autores utilizaram dados do Banco de Dados de Cancer americano e encontram menor upstaging naqueles submetidos a videocirurgia. Este fato foi mais relevante em instituições menos experientes, ressaltando o papel da expertise para uma boa qualidade em cirurgias por vídeo. Ainda que estes resultados sejam de difícil interpretação, levantam a possibilidade de que, de forma geral, a videocirurgia esteja associada a uma ressecção linfonodal inferior à cirurgia aberta. 

Em um interessante artigo publicado por Martin e cols. em 2016, os autores usaram o registro de câncer do Kentucky para comparar os resultados oncológicos de pacientes submetidos a ressecção de Câncer de Pulmão por cirurgia aberta, videotoracoscopia ou cirurgia robótica. Concluíram que pacientes submetidos a ressecção por videotoracoscopia tinham menor taxa de upstaging quando comparados a cirurgia aberta ou robótica, as quais apresentavam resultados semelhantes quando comparadas entre si. Tal diferença foi particularmente significativa para os linfonodos do hilo pulmonar, cuja disseção é mais complexa pela proximidade com as artérias e vias do pulmão, achado este semelhante aos encontrados no estudo de Boffa e cols. publicado em 2012 e posteriormente no de Medbery e cols. em 2016. Recentemente, o estudo de Zirafa e cols. comparou o upstaging linfonodal após cirurgia aberta e robótica para o Câncer de Pulmão e reafirmou os achados de Martin e cols, não encontrando diferenças entre estas duas técnicas. Basicamente, estes dois trabalhos sugerem que a cirurgia robótica tem qualidade de dissecção linfonodal semelhante à da cirurgia aberta, que seria ligeiramente melhor que a da cirurgia por vídeo. Este fato provavelmente se deve à maior mobilidade das pinças robóticas que permite uma dissecção mais elaborada dos linfonodos do hilo pulmonar. 

Um outro estudo que ressalta a qualidade oncológica da cirurgia robótica para o tratamento do câncer de pulmão foi publicado por Cerfolio e cols. em 2018. Esta é uma série de casos multi-insitucional e internacional que reuniu dados de 1339 pacientes operados em 4 instituições, sendo 3 nos EUA e 1 na Itália. Os autores analisaram a sobrevida de longo-prazo destes pacientes e encontraram taxa de sobrevivência muito acima da estimada pela Sociedade Internacional para o Estudo de Câncer de Pulmão (IASLC). Um exemplo bastante marcante foi a sobrevida em cinco anos observada de 62% para pacientes em Estadio IIIA, a IASLC estima sobrevida em 5 anos de 24% para esta população. Ainda que aí existam muitos vieses, em especial quanto à seleção dos pacientes, estes números sugerem que a robótica possa ser o novo paradigma em cirurgia para Câncer de Pulmão e novos estudos comparativos devem confirmar este fato. 

Bibliografia: 

Denlinger CE, Fernandez F, Meyers BF, Pratt W, Zoole JB, Patterson GA, Krupnick AS, Kreisel D, Crabtree T. Lymph node evaluation in video-assisted thoracoscopic lobectomy versus lobectomy by thoracotomy. Ann Thorac Surg. 2010 Jun;89(6):1730-5. 

Licht PB, Jørgensen OD, Ladegaard L, Jakobsen E. A national study of nodal upstaging after thoracoscopic versus open lobectomy for clinical stage I lung cancer. Ann Thorac Surg. 2013 Sep;96(3):943-9. 

Boffa DJ, Kosinski AS, Paul S, Mitchell JD, Onaitis M. Lymph node evaluation by open or video-assisted approaches in 11,500 anatomic lung cancer resections. Ann Thorac Surg. 2012 Aug;94(2):347-53; 

Medbery RL, Gillespie TW, Liu Y, Nickleach DC, Lipscomb J, Sancheti MS, Pickens A, Force SD, Fernandez FG. Nodal Upstaging Is More Common with Thoracotomy than with VATS During Lobectomy for Early-Stage Lung Cancer: An Analysis from the National Cancer Data Base. J Thorac Oncol. 2016 Feb;11(2):222-33. 

Martin JT, Durbin EB, Chen L, Gal T, Mahan A, Ferraris V, Zwischenberger J. Nodal Upstaging During Lung Cancer Resection Is Associated With Surgical Approach. Ann Thorac Surg. 2016 Jan;101(1):238-44; 

Zirafa C, Aprile V, Ricciardi S, Romano G, Davini F, Cavaliere I, Alì G, Fontanini G, Melfi F. Nodal upstaging evaluation in NSCLC patients treated by robotic lobectomy. Surg Endosc. 2018 Jun 25. doi: 10.1007/s00464-018-6288-8. [Epub ahead of print] 

Cerfolio RJ, Ghanim AF, Dylewski M, Veronesi G, Spaggiari L, Park BJ. The long-term survival of robotic lobectomy for non-small cell lung cancer: A multi-institutional study. J Thorac Cardiovasc Surg. 2018 Feb;155(2):778-786.